sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A AMIZADE

Amizade

Não é diferente no que trata do esforço dos escritores bíblicos em traduzir aquilo que é absolutamente sublime: o ser absoluto, fundamento e finalidade do todo, relacionando-se com a humanidade, conjunto de seres efêmeros e mutáveis.
Dentre as imagens que tentam representar nossa intimidade com Deus pode-se exemplificar: o relacionamento conjugal (Deus como Esposo/Noivo humanidade como Esposa/Noiva), servil (Senhor X Servo), familiar (Pai/Mãe X Filhos) etc. Isto, claro, sem elencar as inúmeras parábolas ou símiles contidas no Texto Sagrado as quais através de narrações de histórias do ideário popular tentam lançar luz sobre tal temática.
Debruçaremos-nos nesta reflexão, contudo, sobre um tipo específico de relacionamento, a amizade. É necessário deixar evidente que a opção de abordar a relação Homem e Deus através do prisma da amizade não tem como objetivo pleitear a esta esfera de relacionamento uma áurea de destaque ou de excelência; na verdade trata-se apenas de uma opção metodológica.
Esclarecemos antecipadamente que esta reflexão parte do princípio de que todas as imagens são imprecisas e imperfeitas, deste modo incapazes de exaurir todas as nuanças da temática. Enquanto representação daquilo que de fato é, as metáforas relacionais, inclusa nestas a da amizade, são tentativas de afastamento do objeto de estudo para que possa gerar uma análise mais lúcida do fato; todavia, o único modo de definir-se bem qualquer relação é vivenciando uma, ou seja, somente inicio um processo de compreensão da relação de amizade entre Deus e um ser humano, se me for acessível a participação em tal tipo de acontecimento.
A amizade parece ser uma ótima metáfora para dar conta de nossa relação com a divindade, em virtude de alguns elementos constituintes desta, os quais lhe são peculiares e não são tão explícitos em outros tipos de relacionamentos. Passemos a analisar tais características especiais da amizade.
Inicialmente deve-se compreender que não há nenhum elemento coercitivo ou de constrangimento que nos impele a uma relação de amizade. Se na relação conjugal sou constrangido a perpetuação de tal estado pelo menos em virtude de uma exigência moral e social, na relação servil por um dever de subserviência econômica, e na relação familiar por laços sanguíneos; na amizade não é assim. Não existe um elemento externo, ao puro desejo de estar com o outro, que nos obrigue a tal nível de relacionamento. Tornar-se amigo de alguém não é um processo de análise dos benefícios que tal estado pode trazer a um indivíduo em detrimento do outro, e sim uma caminhada de identificação de um ser com o outro de tal modo que os interesses, gostos e opiniões revelam-se mui próximos.
Em Is 41.8 Deus deixa claro através do profeta que Abraão é seu amigo. Mas como poderíamos explicar tal afirmativa do SENHOR? Talvez um bom fragmento para compreender a relação de amizade entre Deus e Abraão é Tg 2.23. Neste texto, enquanto Tiago discorre sobre a necessidade de uma operosidade de nossa fé, este destaca que Abraão identificou-se com Deus quando creu em seu chamado e nas ordenanças divinas, as quais numa perspectiva humana poderiam parecer ilógicas. E foi exatamente por isso, por este processo de aproximação de mentalidade, de alinhamento de vontades e desejos, que a Abraão é considerado Amigo de Deus. Abraão é amigo de Deus por que descobriu, a partir do momento em que passou a relacionar-se com o SENHOR, que pensava parecido com aquilo que Deus desejava para ele. O mais belo no caso de Abraão é o testemunho do próprio Deus sobre sua relação amistosa, ou seja, não apenas Abraão que é amigo de Deus - o que seria um absurdo claro -, mas o próprio Criador declara-se como possuidor de tal relacionamento.
Outro aspecto de relevância da amizade, quanto metáfora da relação da humanidade com a divindade, é o fato desta não subtrair nada da subjetividade dos envolvidos nesta. Em outras palavras, para tornar-me amigo de alguém não necessito tornar-me outra pessoa, tão somente basta que afirme-me cada vez mais para que esta relação torne-se cada vez melhor. É aquilo que Jesus deixa claro em Jo 15.15, o amigo conhece o coração, os desejos, as palavras do outro. O mesmo espírito quanto a amizade podemos encontrar em Pv 27.17. Uma verdadeira amizade não me desfigura tornando-me um outro ser para melhor servir a alguém, pelo contrário, a verdadeira amizade "afia", melhor as especificidades do indivíduo de tal modo que este torna-se cada vez mais autêntico por meio de tal nível de relação.
Não necessário uma metamorfose para tornarmo-nos amigos de Deus, pelo contrário, basta que retornemos aos sentimentos mais instintivos e primários de nosso ser. Na verdade é o pecado que nos complexifica, transforma, deforma. Cristo deseja apenas que sejamos nós mesmos, não aquilo que o pecado e a maldade tem tentado nos tornar, mas apenas aquilo para o qual o SENHOR eternamente nos fez, humanos e não deuses.
Por fim, não por falta de outras possibilidades, mas por comedimento argumentativo, a amplitude da amizade enquanto metáfora de nossa relação com Deus leva-nos para o âmbito da sinceridade absoluta. Talvez não tenha coragem de revelar-me plenamente como sou ao meu cônjuge, pais ou senhores, posso feri-los, decepcioná-los ou estarrecê-los. Com o amigo não, posso ser absoluta e absurdamente que sou, sem censuras, medos ou preconceitos. Com Deus, meu verdadeiro amigo mais chegado que irmão, posso despir-me de todo invólucro defensivo que construir para evitar olhares e críticas externas; posso chorar infantilmente por todas as trivialidades que são imperceptíveis ou insignificantes para os outro, mas que me maltratam intimamente; posso revelar meus sonhos mais desvairados e não-comedidos, pois encontrarei em Deus sempre uma absoluta sinceridade. Não necessariamente sempre um sim, mas sempre uma reposta sincera.
Em nossa relação com esse Deus-amigo, sempre haverá espaço para reprimendas, exortações e críticas ferozes quando agirmos de maneira insensata. Não existe, em uma amizade sincera, cuidados excessivos para com os sentimentos do outro. Eu conheço meu Amigo, meu Amigo me conhece e por isso as respostas sempre são não invejosas, sinceras e, ainda que violentamente críticas, positivas para minha vida.
Bom, sei que Deus é muito mais que um amigo para mim, todavia, compreender-me como possuidor de um tal relacionamento para com Deus deslumbra-me e alimenta meu ser. Sejamos amigos do SENHOR!
Ev Thiago Brazil

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